sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Frágil

Frágil

o momento em que me sustenho
no respirar de mais um dia

Fugaz

o Deus que me habita
quando a noite vem
e o silêncio é uma ferida

Pequeno

o mundo que me aperta
e obriga

Triste

a palavra que nunca deveria ser dita.

(Teresa Cuco-inédito)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Diz-me onde mora Aquele que não se diz

I.
Diz-me onde mora Aquele que não se diz
o Inominável, o Vazio, O que não tem forma…
que eu corri montanhas e travei guerras
desci aos meus medos mais profundos
estalei no meio da dor
castiguei-me em mil tormentas
ardi no caos das descobertas
fui amada e odiada
amei-me e odiei-me
morri no fogo da incerteza
afoguei-me no meio da lama
abri caminhos por entre as chamas
procurei por mim sem saber quem era,
e mais perdida no fim me achei
do que quando comecei;
diz-me onde mora Esse de que falam
que acalma os corações dos aflitos
que abraça e ama a todos por igual
que não condena nem julga nem oprime
que pacifica os vendavais
e segreda a brisa dos trigais
diz-me
diz-me
diz-me tu…ou mata-me
porque eu já não sou capaz!


II.
Eu não te posso dizer a morada d’Aquele que não se diz, que não tem nome, nem forma, nem vontade, que apenas É!
Só te posso dizer que encontrarás a Sua morada quando encontrares a tua Casa, e que para encontrares a tua Casa terás de morrer mil vezes e outras tantas te perderes no meio de encruzilhadas.

(Teresa Cuco - do Amor e da Espada, 2009,Corpos Editora)

terça-feira, 6 de julho de 2010

trança da tristeza

Primeiro, escovou demoradamente os longos cabelos,

como quem desenleia os nós que queimam dentro do peito

depois, sem pressa, separou em três a primeira fiada;

começou ao centro,

onde a dor doída era maior e mais intensa

ausência daquele abraço

que a aconchegaria pela manhã

acrescentou outra fiada

saudades dos que lhe morreram

deixando tantas coisas por dizer…

e dos que partiram

deixando um vazio na casa

e dentro do seu coração.

A terceira fiada foi a das facas

mágoas tantas de si própria

sua perdição.

Assim

naquele dia

entrançou até ao fim a sua dor

e amarrou-a

com fios brancos

de infinita solidão.


Teresa Cuco in Antologia de Novos Poetas Alentejanos;(no prelo)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

não me morrerás




Não me morrerás

nem os silêncios se instalarão como espadas

nem me conformarei a um qualquer determinismo

Não te matarei

enquanto o espelho me devolver no meu o teu rosto

e o sangue me correr nas veias

como o rio que ainda é nosso.

O nosso rio.

Não nos abandonarei

enquanto tiver nos braços o abraço

e no coração a intrincada renda

do nosso amor.

(Teresa Cuco -inédito)

quinta-feira, 27 de maio de 2010

um dia ...

Um dia entrara no templo das trevas
nas malhas encantadas
por sábias mãos tecidas.
Caídos os panos
soltas as feras
agigantou-se a sombra
de tudo o que deveria ter sido
e não foi.
Agora era
faminta e desgrenhada
devoradora de noites cerradas
fantasma dos que morreram
de todas as formas que é possível morrer-se.
Grito dos que sobreviveram
de todas as formas que é possível sobreviver-se.
Era mendiga e era a sorte
Era a renúncia.
A aflição.
O desnorte.
E era, um pouco mais além,
a sua própria morte.
Um dia,
de alguma forma,
entraria no templo da água
resgataria a sua terra prometida
e Saberia toda a Verdade.

(Teresa Cuco-inédito)

domingo, 18 de abril de 2010

explicaram-me as leis da Física...

Explicaram-me as leis da Física
falaram-me da gravidade
do atrito
da velocidade e do peso
das forças centrífuga e centrípeta
do asfalto
da inclinação
do vento e do tempo
da iluminação
das condições psicológicas
das condições fisiológicas
tempo de percepção
e tempo de reacção
fizeram desenhos e
traçaram trajectórias...
velocidade
travagem
impacto
força
capotamento
arrastamento
colisão
............................................
Depois disseram-me que era melhor
não pensar
(assim conquistaste a eternidade da minha memória;
chorar-te-ei para sempre)

(Teresa Cuco)

disseram-me...

Disseram-me que numa noite te perdeste
saíste à procura de uma luz
que há muito pressentias

E nunca mais voltaste

Disseram que te transformaste
numa estrela
e que agora velas no céu
todos os caminhantes que se perderam.

(Teresa Cuco; lugares de mim; Corpos Editora, 2006)

Os teus olhos...

Os teus olhos falam-me
de caminhos que só as estrelas entendem
dizem-me poemas e paisagens
que só a noite segreda
os teus olhos falam-me
de mãos e de corpos
e de risos
de manhãs claras
falam-me de tudo o que fui
de tudo o que sou
os teus olhos são o espanto
a descoberta
o rio
a que me dou.

(Teresa Cuco-inédito)

os velhos desfiam as horas...

Os velhos desfiam as horas
por detrás das vidraças
contam os dias da solidão
têm memórias de quem passa
todos os dias
para lá da vidraça
contam os passos apressados
e palpita-lhes o coração
quando os passos morrem
na calçada
junto à vidraça
Para lá dela, há outros velhos
que passam
têm guias e bonés e carteiras
a tiracolo
falam línguas estranhas
e calcorreiam em bando
as ruas e as praças da cidade
Param
Filmam
Tiram fotos das fachadas
E das janelas
Por detrás das quais, os velhos,
-os outros- desfiam as horas
e contam os passos
de quem passa.

(Teresa Cuco)

que novas me trazes...

Que novas me trazes, anjo da noite...
Mil anos de guerra
Mil anos de amor
Corpos quebrados
Corações amargurados
Tanto ódio
Tanta raiva...
Tanto amor guardado
Tanto espanto silenciado...
E estamos tão sós, meu anjo da noite
E engolimos o desejo
E adiamos o beijo
E vergamo-nos ao mesmo peso
Dessa guerra
E dessa Terra
Vórtice que nos embebeda
E nos maltrata
Amor que nos redime
E que nos mata
Nenhumas novas me trazes,
anjo da guerra...
mil anos de noite
mil vagas de terra
mil águas de espanto...
prendem-te nesse céu
cobrem-te nesse chão
e continuamos tão sós, meu anjo da noite
no vórtice
do desejo
no peso
desse beijo
na guerra..
Terra desse Amor.

(Teresa Cuco/2004)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

sei do que falas...

Sei do que falas.
Sei da noite a agigantar-se
medonha
Sei dos tentáculos a multiplicarem-se dentro das horas
e das horas a encolherem-se dentro dos dias.
Sei do barulho na cabeça
a empurrar o silêncio
a minar o silêncio
a sufocar o silêncio
Sei do peso sem palavras
sem gestos
sem rostos
peso da agonia
do beco sem saída
a entranhar-se por dentro da esperança
Sim.
Eu sei do que falas.
Sei do que sentes.
Sei das guerras, dos tormentos
das esquinas sem ruas e sem praças
e de andar perdida
sem encontrar a minha casa
E sei do medo
E da morte
Eu sei.
Por isso não quero que saibas.

(Teresa Cuco)

agora...

Agora
agita-se o coração
e baralham-se as palavras
permaneço aqui-ainda aqui-
na ideia da minha Casa
e vou e voo neste céu
e deito-me e flutuo neste chão
e ergo-me em mim
nesta prece de pedras sagradas
que mudas reverenciam
a memória de outras Casas
e o meu coração enche-se do Silêncio
e o meu peito banha-se deste universo
e eu já não tenho medo
porque já não quero
E a minha estrela está lá.
No coração da terra.


(Teresa Cuco)

senta-te aqui...

Senta-te aqui

Sossega em ti

Não prendas a vida

Aceita os limites

Aceita o tempo

Aceita o medo

Assim os transcenderás.

(Teresa Cuco)

sou quem sou...

Sou quem sou

no espelho dos teus olhos

Pouso o coração

nas tuas mãos em concha

e acredito na magia

da minha solidão.

Eu cruzei mares para te ver

Trazia um caminho no sangue

e uma luz

única

urgente

para te devolver.

(Teresa Cuco)

fecho-me aqui...

Fecho-me aqui
ao redor de ti

Depois ergo uma noite
sem fim

Penduro estrelas no meu céu

Beijo a boca das palavras

E deito-me no silêncio.

Sem mágoas.


(Teresa Cuco)

Estende-se a meus pés ...

Estende-se a meus pés
o mar da vida

A outra metade da vida

O colo de um Deus oculto

Os braços de uma mãe paciente

Toma a minha mão

Sejamos crianças

Na outra metade da vida.

(Teresa Cuco)

Arrastas essas cadeias...

Arrastas essas cadeias
embrenhas-te nessa bruma
e sonhas com rios
onde as aves matarão a sede
e o mundo lavará as mágoas .

Entretanto, os relógios não se calam!!!

E há um grito de urgência
em tudo o que não fazes.

(Teresa Cuco)

Há gritos...

Há gritos partidos nas portas que não batem.

Ainda procuro aquela janela em cruz no meio da noite cerrada.

(Teresa Cuco)

Faltava-lhe o sono...

Faltava-lhe o sono.
O espaço onde a alma se regenera…dizem.
Amanhã seria outro dia
(como se amanhã fosse mais que o prolongar do primeiro dia)
Inclinou-se sobre si
como se fosse outra.
A outra.
E procurou algum sinal de esperança nas cordas emaranhadas do tempo.
Às vezes, lembrava-se de ter sido criança
mas nunca o sonho
nunca o conto de fadas.
Depois fazia um derradeiro esforço
e lembrava-se que lhe haviam contado histórias...
mas não se lembrava do que sentia.
Não se lembrava de sentir.
Lembrava-se de não lhe apetecer a vida.
Nem o riso.
Só muito mais tarde se lembrava de ter rido.
Agora também se esquecia muitas vezes
mas já lhe apetecia mais a vida.
Não sabia porquê.
Há pouco tempo sentira raiva
revolta.
-a raiva inventa uma almofada dentro do peito
e dá-nos coragem para as coisas mais impensadas-dizia-.
fazia-lhe mal a mentira.
E a omissão, que é a mentira dissimulada.
Achava que não sabia amar.
Por isso, ninguém a amava.
Pensava, no entanto, que as suas mãos tinham um amor inexplicavelmente grande…
depois passou-a raiva- como que por magia
e levou-lhe a coragem…
mas não se importou porque sabia que a almofada não era de verdade.

(teresa cuco)